Multipropriedade: por que o compartilhamento de imóveis cresce no país

Férias em Hotel Resort

Modelo mais flexível e econômico permite a compra de uma fração do imóvel por determinado período, como 2ª residência ou opção de férias

Multipropriedade. Propriedade compartilhada. Propriedade fracionada. Time sharing (“compartilhamento de tempo”, em português). Talvez você ainda não tenha ouvido falar em cada uma dessas expressões, mas é crescente o número de brasileiros que vêm sendo apresentados a um modelo de negócio que se transformou, nos últimos anos, em um nicho em ascensão no mercado imobiliário.

Embora exista no Brasil pelo menos desde meados dos anos 1960, o formato da multipropriedade ganhou força a partir da promulgação da Lei nº 13.777/2018, que regulamentou o setor. Nesse modelo, o imóvel é dividido entre vários “sócios”, para uso por determinada quantidade de dias no ano – são as cotas ou frações imobiliárias. Os dias nos quais cada cotista vai utilizar o imóvel podem ser subsequentes ou alternados, de acordo com o que for estabelecido entre os condôminos.

Quem adquire a fração do imóvel tem direito a uma escritura pública correspondente à sua parte. Na prática, a cota comprada tem o status de propriedade imobiliária e pode ser vendida, doada, dada como garantia ou utilizada em partilha, em caso de divórcio.

Além de residências privadas, há o modelo de multipropriedade focado em hotéis e resorts de luxo, nos quais os proprietários podem usufruir da mesma infraestrutura que os hóspedes comuns. Se uma família pretende frequentar um hotel de luxo 30 dias por ano, por exemplo, essa cota pode ser comprada antecipadamente, por um custo proporcional ao período escolhido.

“Quem adquire um imóvel nessa modalidade passa a ter, de fato, uma matrícula, o que confere o direito de propriedade e até liquidez para os investidores”, explica Henrique Blecher, CEO da Nivi Capital, gestora de fundos imobiliários que estuda a viabilização de investimentos no modelo de multipropriedade. “O segundo ponto a ser observado é a flexibilidade no estilo de vida, que permite que uma pessoa possa ter, por exemplo, uma residência na serra e outra na praia. Ter um imóvel em cada lugar, sem precisar desembolsar o custo de um imóvel inteiro. Isso dá, além de flexibilidade, alternativas”, destaca Blecher.

Antes da regulamentação, as imobiliárias e construtoras se baseavam na Lei de Incorporações Imobiliárias (nº 4.591/1964) para firmar contratos de multipropriedade, mas a insegurança jurídica inibia o crescimento do mercado. A realidade, hoje, é bem diferente.

“A nova lei é um marco do direito de propriedade. Antes dela, você não tinha direito real, apenas obrigatório. A partir da existência da matrícula, o direito passa a ser real, ninguém tira do proprietário. Gerou mais confiança para incorporadores, mercado de crédito e compradores”, afirma Blecher.

Maria Carolina Pinheiro, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da Wyndham Hotels & Resorts, também celebra a legislação específica sobre a multipropriedade. “Com um arcabouço jurídico, a segurança é muito maior para empresas e consumidores. Depois da nova legislação, aumentou a quantidade de empresários que estavam buscando investir nesse tipo de produto”, observa. Atualmente, a Wyndham tem dois projetos de multipropriedade em operação no Brasil e outros 10 já com contratos assinados, em desenvolvimento.

Mercado em ascensão

Segundo dados da pesquisa “Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil”, realizada pela Caio Calfat Real Estate Consulting, o número de empreendimentos desse tipo cresceu 21,8% entre 2021 e 2022, de 128 para 156 – entre imóveis prontos, em fase de lançamento ou em construção.

No mesmo período, o Valor Geral de Vendas (VGV) desse mercado – estimativa do potencial de receita que os empreendimentos podem gerar – pulou de R$ 28,3 bilhões para R$ 41,1 bilhões (alta de 45%). No Brasil, hoje, pelo menos 77 cidades de 20 estados contam com ao menos um imóvel no formato de multipropriedade.

“Quem tem uma segunda residência, seja um apartamento na praia ou uma casa na montanha, sabe que esse imóvel não é usado todo o tempo. O crescimento do mercado tem muito a ver com otimização e sustentabilidade: as pessoas estão preferindo pagar por aquilo que realmente usam. Não compram só por comprar”, ressalta Maria Carolina Pinheiro.

Segundo a especialista da Wyndham, essa mudança na forma de se relacionar com o imóvel está ligada, sobretudo, a uma questão geracional. “Algo diferente está acontecendo. É uma tendência, principalmente, dos consumidores mais jovens, que não vão comprar um carro se realmente não precisarem dele todo dia. Preferem ir de táxi, de Uber. Esse novo consumidor está buscando soluções mais criativas. O compartilhamento é algo natural para as novas gerações”, avalia.

Formato econômico e rentável

De acordo com os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, o modelo de multipropriedade é benéfico para a economia do país, porque tem capacidade de fomentar a vocação turística de várias regiões, e para o bolso do comprador, que paga muito menos do que se adquirisse um imóvel “inteiro”.

“Algumas localidades tem um mercado turístico muito sazonal. Com a multipropriedade, por meio da qual as pessoas se programam para utilizar o imóvel em períodos determinados, você gera uma ocupação maior nas cidades não apenas em períodos de alta, mas durante o ano inteiro”, diz Pinheiro.

Para Blecher, o formato “dá oportunidades de incorporar em locais que não se faria anteriormente, porque não são de vocação tão óbvia”. “Acaba sendo uma escolha de valor bem mais baixo para o comprador, que pode desfrutar de uma ou duas semanas em um lugar atrativo por R$ 50 mil, R$ 60 mil. Isso alimenta o mercado imobiliário como um todo”, afirma.

Para o CEO da Nivi Capital, o “boom” do mercado de multipropriedades ainda está por vir. “Os instrumentos jurídicos atuais permitem que aumente a oferta de multipropriedade de uma forma cada vez mais sofisticada. Esse mercado ainda vai crescer bastante porque tem um espaço muito grande para isso”, aposta. “O mercado de capitais está estudando todas as possibilidades, não tem ainda uma linha clara de crédito… A lei está aí, mas tudo ainda é incipiente, diante da pujança que o mercado de multipropriedades pode alcançar no Brasil.”

Fonte: Metrópoles